sábado, 17 de dezembro de 2011

Meu quase primeiro amor

O primeiro beijo a gente nunca esquece. O primeiro beijo perdido, menos ainda.

Eu estava na terceira série. Após curta temporada em Fortaleza, havia retornado para Santos. Naquela época, em dificuldades financeiras, não parávamos em canto algum. Além de São Paulo, também moramos no Rio de Janeiro, que de cidade maravilhosa não tinha nada. Para uma família à procura de um teto onde se abrigar, ela parecia bem cruel, cinzenta e fria, muito fria. Quando lá chegamos, desembarcamos de um avião da FAB, fazia no mínimo uns vinte graus. Eu estava sem casaco, tiritando de frio. Lembro da primeira indagação de mamãe, olhando para meu pai, ao tocarmos solo carioca: "E agora?".

Não recordo outro período da minha vida em que tenha sentido tanto medo e saudade; medo porque, pela primeira vez estava tão longe de casa, e já não acreditava mais que fosse possível voltar, mesmo embarcando em outro avião; saudade de tudo o que havia deixado para trás: brinquedos, amigos, primos. Eu me agarrava ao braço de minha mãe, juntamente com minha irmã, como se esperando que a qualquer momento alguém fosse levá-la de nós. Haviam rumores sobre um tal Conselho Tutelar, que costumava arrancar as crianças de seus pais. Naquela época eu não tinha noção precisa do que aquilo significava. Para mim, era como o Velho do Saco, carregando crianças sem nenhum motivo.

Novamente em Santos, nada parecia ter mudado; os rostos eram os mesmos, as casas permaneciam com a mesma fachada, até o cachorro vira-lata que latia para as pessoas na rua era o mesmo: cego de um olho, manco de uma pata, a penugem cinzenta que se espalhava por seu corpo esquelético. Tudo permanecia igual, principalmente na escola.

Não fui recebido com festas, não era um aluno popular - pelo contrário, era o mais acanhado, gostava de ficar no meu canto, falava o necessário com poucas pessoas. A não ser meu amigo Rafael, ninguém mais me deu boas-vindas, acostumados que estavam com aquele vai-e-volta. Quando nos conhecemos, ainda não havíamos entrado para a escola. Fazíamos parte de um grupo de teatro que ensaiava duas vezes por semana na biblioteca pública Plínio Marcos (uma das peças que mais ensaiamos foi uma especialmente produzida para a Primavera; eu faria o papel de árvore, e ele de gavião. É bem verdade que meu personagem não era lá o mais empolgante, mas eu sentia orgulho só em estar participando.). O que de imediato me chamou a atenção no Rafael, além do seu cabeção que era um colosso, fora o seu caderno repleto de letrinhas. Eu ainda não havia aprendido a ler, e logo aquilo me deixou mordido de inveja. Para completar o que eu achava o cúmulo da sapiência, ele disse que  tinha uma técnica para economizar as linhas do caderno: escrevinha tudo juntinho, sem deixar espaço entre as palavras; assim, sobrava mais espaço onde ele podia fazer os rabiscos que chamava de desenho. Ainda hoje me lembro da bronca que a professora lhe deu, quando entramos para a primeira série, e ela lhe pediu para ver o caderno.

Eu já tinha pouco mais de treze anos, mais ainda não pensava em namoradas. Estava distraído em outras coisas para pensar naquilo. Além do mais, havia o medo de mamãe, que não queria me saber namorando. Para ela, os estudos deviam ser minha prioridade.

No entanto, isso mudaria com a chegada de uma nova aluna no colégio, transferida da capital. Portanto, foi fácil para ela chamar atenção. os meninos se aglomeravam ao redor dela como se admirados com algum asteroide caído ou algum disco voador que houvesse pousado ali. Eu não me importava com o fato de ela ser da cidade grande, mais civilizada e urbanizada  que aquele bairrozinho de área insular. Estava mais embasbacado com a beleza dela. Era como um anjo: a pele alvinha, os cabelos compridos, negros e lustrosos que exalavam um cheio gostoso de morango quando ela passava. pela primeira vez eu sentia no peito aquela ardência que não conseguia explicar. Chamem isso de paixão à primeira vista.

Passei a fugir dela sempre que podia. Evitava corredores, refeitório e, mesmo em sala de aula, sentava longe, no fundão. Metia a cara no livro, quando a professora de matemática pedia que ela fosse à lousa, solucionar equações.

Com o passar dos dias, meu rendimento foi decaindo. Mais de uma vez, fui chamado a atenção pela professora, que não entendia o que estava acontecendo. Eu sempre tinha sido um aluno empenhado, agora estava relaxando. Havia um grando risco de não ser aprovado aquele ano.

Pouco importava. eu não estava ligando mais para aquilo.

O meu maior terror foi quando, um dia, na hora do recreio, a tal menina promovida a celebridade sentou-se ao meu lado com o seu lanche. Ofereceu-me um sanduíche, recusei. Ofereceu-me novamente, dessa vez fazendo propaganda: era de queijo e presunto, a própria mãe havia preparado. recusei com ainda mais veemência. Ela não insistiu mais. Comeu o seu lanche em silêncio, intercalando as abocanhadas com um ou dois goles de suco. Depois limpou as mãos, jogou o saco de papel na lixeira ao lado e continuou em silêncio. Sua presença me incomodou de maneira insuportável. Teria mandado ela ir embora, mas tive medo de ser grosso. Então eu mesmo levantei. Ela me segurou pela camisa, impedindo que eu fosse. Perguntou do que eu tinha medo, ela não era bicho, não mordia. Ficou de pé diante de mim, tinha quasse a minha altura. Olhou direto nos meus olhos. Fiquei sem jeito. Ela percebeu. Então sorriu. Perguntou novamente do que eu tinha medo. Não respondi. Na verdade, nem sabia mais se o que sentia era medo, talvez fosse apenas insegurança. Inconscientemente, segurei sua mão. Apertei-a, mas não a ponto de machucá-la. Depois tentei soltá-la, dando-me conta do que estava fazendo. ela me impediu. disse que gostava. Em seguida, aproximou seu rosto de meu, vagarosamente, como se não houvesse pressa. Senti sua respiração bem próxima a mim, suave como a brisa que soprava à noite, no cais do Porto dos Namorados. Bobalhão quer era, me afastei. Não sei o que a menina pensou na hora. Deve ter perdido a paciência, pois logo saiu, me deixando ali sozinho, como se tudo não houvesse passado de um sonho.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Encontro desencontrado

Combinamos que nos encontraríamos na Praça Coração de Jesus, uma pequena praça no centro de Fortaleza que ainda esconde, entre a sujeira e a depredação, seu charme de anos idos. Cheguei cedo. Não te vi. Esperei. desisti. Voltei para casa. te liguei. você disse que esteve o tempo todo lá, mas eu não te vi. Achei que você tivesse mudado de ideia, ou que a ideia de um reencontro lhe houvesse desanimado. Mas você estava lá, esperando por mim. Lia e relia um de seus livros, e alimentava passarinhos. Você pensou que eu não chegaria,, que talvez houvesse mudado de ideia e preferido ficar em casa, em vez de enfrentar o sol do meio-dia. Mas, para te encontrar uma vez mais, eu enfrentaria tempestades & temporais, turbulências & maremotos (até pediria dinheiro emprestado, que, atualmente sem emprego, estou numa situação de fazer vergonha). Sei que parece exagero, mas é verdade. gosto muito de você, e esse encontro desencontrado me deixou um pouco chateado, sim, embora não tenha admitido. A ideia de que estive tão perto de você e nem sequer pudemos nos falar, nos abraçar, sentarmos ao lado um do outro... como na escola, você lembra? Você não gostava dos meus exageros, dizia que eu era espalhafatoso demais. Mas é que, toda vez que te via, não conseguia me conter, se bem que tentasse.

Sei que ainda teremos muito tempo para novos reencontros e esbarrões casuais no meio do caminho, mas o meu defeito é a necessidade do já; quero tudo para o agora, como se o amanhã não fosse dar certo, um brinquedo quebrado, uma locomotiva que não consegue seguir nos trilhos enferrujados.



Fé na humanidade

Eu não quero nunca perder minha fé na humanidade. Todos erramos, é bem verdade, mas todos temos a chance d reparar nossos erros e fazer diferente.

O homem construiu a máquina da guerra, e com ela matou, invadiu, explodiu, conquistou. Mas também criou a máquina do abraço, e com ela matou saudades, confortou corações, enxugou lágrimas, fuzilou tristezas, esquartejou solidões... mostrou-se verdadeiramente humano.

Um só

O mar nunca acaba
porque o mar é uma coisa só
como um corpo inteiro.
O mar de Fortaleza
e o mar do Rio de Janeiro
não se diferenciam apenas por que
naquele eu me banhei em meus tempos de menino
 - e este, fiquei sabendo, mancharam com tinta negra.
É tudo uma coisa só, como Deus e o infinito,
como o resto do mundo inteiro. Se o homem divide
é porque não entende, ainda não entende.

Assim como o mar, o amor é um só.
Não há fronteiras, nem bandeiras;
portanto, não há conflito de interesses
porque todos querem um coisa só:
paz para esse mundo decadente
que respira tantos poluentes
e agoniza em dor.

O mar

Todas as vezes em que cometo o erro
de pensar que meus problemas são tão maiores
a ponto de me afogar em medo,
olho para o MAR. Sei que nada nunca será
maior que o mar, assim como nada nunca será
maior que Deus, que criou coisas tão belas
e nós, meros comedores de farinha, não agradecemos;
reclamamos, como se tudo devesse girar em nosso entorno,
senhores da arrogância, prepotência e egoísmo.
Nunca seremos como o mar: ele é fluxo contínuo,
porém está sempre ali, para quem quiser olhar.