sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Sou o testemunho vivo
das coisas

transfiguradas em mim - cinema
grudadas em  mim - chiclé.

A coisa
despida
sou eu
em pele viva,

corda de violão partida
acordes de agonia

pétala cindida
do cálix do amor.

A espinha
da coisa viva
é a tragédia.

Irrevocavelmente nasci
Irrevocavelmente terei
meu nome numa página de obtuário.

Nação brasileira

pretospardosbrancos
mamelucosmalucoscaucasianos
ciganosmambembesbaianos
patríciosplebeusangolanos
solteiroscasadosamigos
bandidoscalhordaspolíticos
Para vencer
o ócio da rotina:
cafeína
Palavra
perfeita,
pré-moldada:

irregurgitável
caroço,

osso
duro
de
roer

Push to open

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espairar
eclogir

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Viagem

Para meu primo, Fábio Soares

Sonho
por cima dos ombros.

Nuvens
abaixo dos pés.

Medo
e saudade
superados.

Frente ao novo,
nada a temer.

Passaporte em mãos:
tudo vai dar certo.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

para minha mãe, Olívia Martins

Teu amor é meu acoito
na tormenta da solidão.

Quando procuro cavernas
teus braços me acercam
e sob minha pele introjetam
a paz que vem do sono.

Quero estar contigo
mesmo quando as palavras,
caducas e bem defuntas,
apodrecerem nos dicionários.

Porque ouço teu coração,
de nada mais preciso.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Morena

A insolência
dos teus cabelos arredios
é como um mar encapelado
que me joga para cima e para baixo
numa noite
de infinitas pupilas rutilantes.

O olor inebriante
de tua cabeleira
tem as tardes
na boca dum precipício.

Quem dera me fosse dado
o privilégio de sondar
os mistérios que manténs velados
na volúpia de tuas madeixas.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O que há em mim
de mais profundo
não atravessa o mundo.

Vivo na beira,
à beira do absurdo.

Costuro rimas
com versos curtos
quase mudos
quase muros
entre razão e sentido.

Porque sou taciturno,
economizo o que digo.
Penso
retalhos

Visto
frangalhos

Mas não sou
espantalho

Dou-me a conhecer
aos pedaços
como um Judas
escangalhado.
Ela sorri
um sorriso de meio-dia:
trinta e duas pérolas raras
de mais pura alegria.

Ela sorri.
Há mais de semanas
seus olhos grudaram em mim
do fundo de uma fotografia.

Mesmo quando choro,
ela sorri.

Canção da caverna

Conto os dias
e espero os ventos
da lembrança antiga
o esquecimento
das paredes frias
o esmagamento
(pó ao pó)
lamento.
O cão tem pressa.
Para onde vai o cão?
Queria saber
aonde vai meu coração

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

No parque

Calor: no céu, no toque, na pele, no abraço. E quase não eram dez da manhã! Ela sentou-se, ofegante, ao meu lado. Não tínhamos andado muito (três ou quatro quarteirões, se não exagero), mas cedeu ao banquinho de praça como se houvéssemos transcorrido léguas. Água; precisava de um gole; sacou da bolsa uma garrafinha transparente; tomou três. Aliviada, sorriu-me. Retribuí com um par de lábios esticados,  meio insosso. Logo me rendi a um mutismo de pedra. Devo ter dado a impressão de que me perdia em profundas conjecturações, porque ela quis saber no que eu pensava. "Em nada", respondi. (por natureza, às vezes me surpreendo com o olhar perdido em algum ponto, daí as pessoas me julgarem num estado reflexivo, quando na realidade minha cacholeta está tão vazia quanto um pedaço de pau apodrecido.) Talvez ela quisesse ter ouvido outra resposta. Poderia ter lhe contado uma anedota ou uma piada boba, só pelo prazer de ouvir seu riso e amenizar sua decepção, mas sou pouco de palavras. Ante a iminência de um novo silêncio, ela novamente abriu a bolsa; revirou-a, resgatando de suas entranhas misteriosas um objeto pontiagudo. Levei algum tempo para reconhecer o presente que me havia prometido na noite anterior. Em retribuição, presenteei-lhe dois livros, dentre os quais meu primeiro, recomendando que o guardasse mesmo que não entendesse meus rabiscos, pois quando enfim a fama houvesse me alcançado, ele valeria uma fortuna num desses sites de leilões da internet. Enfurnei entre as páginas do outro uma carta que ela posteriormente leria. Pude nela revelar-lhe o que verbalmente me ficou impossível. Sabia que ela gostava de cartas longas, por isso tratei de preencher toda uma página. Não mais pedi que não fosse embora. Ela estava decidida, e sua ânsia por conhecer novas feições e paisagens era demasiado voraz. Estava decidida e não arredaria pé. Em vista disso apenas pedi que não olvidasse os velhos amigos. Por um lado eu sabia que minha preocupação era tola. Ela jamais olvidaria. Mesmo que percorresse todos os continentes, mesmo que o tempo esfalfasse os relógios de todas as praças, estaríamos sempre unidos por sentimentos mútuos: afeição e amizade.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012



O melhor de você
transpira em meus pensamentos
quando acordo
e quando me deito.
Você é a volúpia
dos meus sentimentos
em turba desordeira,
a poesia latente
ardente em minhas veias.


Eu abraçaria a morte
para estar com você
porque sozinho
minha sina é padecer.

Eu arrumaria o cabelo
para encontrar você
acordaria mais cedo
anotaria em meu caderno
para não esquecer

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Sentimento transcedental

Você
em mim
é sempre
o céu
pontilhado
de utopias.

Você
em mim
é vida
arterial.
Sinto fome
de alvoradas
quando penso em ti,
amiga.

O que sinto
é transcedental,
não há nada igual
aqui ou noutro mundo

Noite morta

A noite
morta
dura
de pedra
atrás
da moita
não esperava
que o sol
abrisse a janela.

A vida empacou na esquina

A vida
empacou na esquina
quando viu a morte chegando,
frígida, enlaçando
o bem que eu mais queria.

Meu mundo entrou em recesso.

Vivo da esperança
de que volte a rodar a Cirando
ou que tudo vá ao inferno!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

domingo, 9 de setembro de 2012

A caçadora de vaga-lumes

Para Helenir, amiga, poetisa e filósofa.

Ela ainda não tinha me contado, mas fazia-se urgente que eu soubesse, como se, em tomando conhecimento daquela parte de sua vida, me incluísse entre os matizes que a pigmentaram.

Iniciou com um breve comentário a respeito de como as coisas iam se modificando e nem conta a gente se dava. Tomava como exemplo a rua onde havia crescido: tudo mudado, nada fazendo lembrar a ruazinha onde sequer poste de iluminação e calçamento haviam. Lembrava daquele lugar como o fim do mundo; entretanto, em nenhum outro fora mais feliz.

Era meninota e magrela, na época. A maior parte do tempo passava na rua, distraída com brincadeiras. Dentre tantas, apanhar vaga-lumes era sua dileta. Com um vidrinho de maionese, saía à cata dos insetos no meio do capim alto, até que, exausta, os capturava. Quando julgava que tinha o bastante, corria para dentro de casa e fazia de lanterna os pobres bichinhos aprisionados, cuja luz tíbiamente iluminava os cômodos escurecidos. Na maioria das vezes, entretanto, preferia entocar-se no armário da mãe. Aquelas funduras misteriosas e com um vago cheiro de naftalina sempre a instigaram.

Todas as noites o ritual se repetia. Minha amiga era uma caçadora implacável.

Senti necessidade de também compartilhar algo de minha infância. Participei-lhe o episódio mais obscuro já me ocorrido; na verdade, não o tenho guardado em minha memória - conheço apenas porque minha prima, Laiana, contou-me. Segundo ela, eu a detestava. Certa feita até corri no seu encalço, exasperado, pedaço de pau ou coisa de semelhante valia na mão, esbravejando: "Eu te mato, sua bruxa! Eu te mato!". Foi o que partilhei com minha amiga. Demos boas gargalhadas.

Pirilampo

Queria que você soubesse: acordei no meio da noite pensando que o mundo ruiria; mas sosseguei. Eram apenas as turbinas de um aeroplano roncando distante. Nas entranhas desse monstro descomunal você sorria - imaginei - bebendo constelações num olhar de espanto. No meio da noite você era um pirilampo - e partia.

sábado, 8 de setembro de 2012

Amor à palavra

Será um fenômeno raro me encontrarem com a cara metida num jornal. Foi só por tédio, numa terça-feira em que nada de mais interessante tinha a fazer, que abri um. Evitando os pôsteres publicitários que engoliam páginas inteiras, fui direto ao caderno cultural, onde letras médias encabeçavam um modesto artigo de canto de página: Brasileiro lê Mal e Pouco". O fato não me causou espanto. Estar por dentro dos números foi o que me chocou: "Em média, brasileiros leem quatro livros poa ano, alguns não chegam à metade disso ou abandonam a leitura antes do fim". Perguntei a mim mesmo como tamanha monstruosidade seria possível. Sou um apaixonado por livros, não saberia viver sem eles; magrinhos ou folhudões, amo-os todos. Se os autores são chatos, tento compreendê-los, porque também tenho meus defeitos.

Como seria possível deixar o livro de lado?, foi a questão em mim despertada.Conjecturei inúmeras explicações; risquei, rabisquei cadernos, até encontrar estas linhas.

O problema da leitura, no Brasil, não é histórico, tampouco social, como a princípio julguei. É uma questão de amor. Enquanto o indivíduo não amar a palavra, o livro continuará esquecido, acumulando poeira numa biblioteca vazia ou servindo de banquete a traças no interior  de algum armário sombrio.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Poesia

Nasce a
meta
no seio do
vácuo,
anseio do barro,
de[lírios] do
Poeta

Abraço

ponte
entre doi corpos
que se temem perder
entre descaminhos,
fundidos em névoa,
densa selva
de sussurros
e suspiros.

Nuvem

Nívea   neve
                      noiva
leve
         luva
                  branca
 nau fantasmagórica,
 baú da infância

             no papel,
             no sonho cosmonauta

      horas à toa
      de barriga virada
      numa boa
      numa boa.

O2

Amo a vida
que o éter presenteia;
vida
mais que tristeza,
mais que chuvisco
num dia insosso
de quarta-feira;
vida Neruda,
vida bandeira,
vívida vida inteira;
pulsante,
pululante
pluriexistencialista.
Nada entendo
de estrelas.
Sou errante
na vastidão láctea
da incertezas.
Deixo para os tolos
a convicção milimetrada,
enquanto viajo na barca
misteriosa da existência.

Sesta

Espadas
de São Jorge
trespassando
pensamentos
baldios,
braços
e pernas
pro ar,
movimento
pendular:
tempo
travestido
em tempo
perdido.
Vespa
bordejando
a intimidade
da flor,
véspera
do amor,
vibrante
desejo
                       audácia
                         e pejo

Quadro-negro

Lágrimas
de giz
na ponta
do nariz
desenhando
solidão.

Peito
gris,
ocaso
infeliz
da
 traição
Meu desejo
é fome
devorando pedras
filosofais,
caravela perdida
em outros ermos
siderais.
Às vezes um nada
em que me deixo vagar
como um vadio vaga-lume.
Às vezes um êxtase
a que o perfume dela me lança:
querer estar junto,
ainda que fisicamente distante.