quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O menino

O menino,
caminhando,
encontra a pedra
em seu caminho.
Joga a pedra
e segue sozinho.

O menino,
já crescido,
encontra o amor
em seu caminho: olhos castanhos
corpo esguio. Apaixona-se
e vive sorrindo.

Mascando chiclete

Desde quando éramos molecotes arruaceiros, mamãe nunca permitiu que mascássemos chiclete; que andássemos descalços ou mesmo que disséssemos algum palavrão, vá lá; mas mascar chiclete - nunca! Seu argumento infalível era que, quando mascávamos chiclete, parecíamos jumentinhos mastigando capim; além do mais, ela não suportava aquele barulhinho irritante de borracha que a mastigação produzia: nhéc, nhóc, nhéc, nhóc. Irritava-se logo e metia um safanão em  quem quer que estivesse mascando o detestavael chiclete em sua presença.

Receosos de que fôssemos pegos, mascávamos  na rua, às escondidas. Éramos onze, ao todo, e juntos formávanos uma espécie de sociedade secreta - como os Cavaleiros da Távola Redonda, só que em menor número.

Nosso segredo só era revelado com a ida ao dentista.De lanterninha em punho, ele examinhava nossa boca cutucando nossa língua com um palito de picolé(aquilo dava-nos uma sensação horrível, tínhamos ânsia de vômitar); fazia umas caretas que os médicos costumam fazer quando descobrem que algo não vai bem e sentenciava :"Este menino está com cáries". Mamãe nos lançava aquele olhar que conhecíamos tão bem
.
Depois da consulta com o dentista, morríamos de medo de voltar para casa, pois sabíamos - ah, e como sabíamos! - que a maior surra de todas as nossas vidas nos estaria aguardando.

Porém não tomávamos jeito nunca. Mal nos curávamos das pancadas e beliscões que mamãe nos dava, estávamos reunidos novamenste para mascar o bom e velho chiclete.

E aos poucos nossa sociedade foi crescendo, agregando os novos garotos que chegavaam ao bairro, de modo que nos tornamos uma organização tão complexa, que nem mesmo mamãe (ou a polícia) era capaz de frear nossos atos ilícitos.

sábado, 5 de novembro de 2011


Salve! Salve!

Quando eu era criança e ainda estava na escola, havia uma regra que nos fora imposta pelo diretor: diariamente, após o término das aulas, tínhamos de nos reunir no pátio para cantar o Hino Nacional. Aí era um problema, porque toda vez que chegávamos na parte do "Ó Pátria amada, Idolatrada, Salve! Salve!" eu caía na gargalhada. Não entendia como se podia salvar uma pátria, nem por que ela estava pedindo socorro.

Quase sempre eu era expulso daquelas ocasiiões solenes, o que até achava bom. De espírito inquieto, não parava sossegado um minuto. E por mais que meus pais fossem convocados à diretoria, eu não tomava jeito -
pelo contrário, até me tornava pior, como um modo de me vingar pelo o que tinham me causado.

Hoje compreendo que a pátria não estava pedindo socorro - não do modo como eu pensava. Hoje ela pede que a salvemos da corrupção, do descaso das autoridades, da injustiça, da impunidade, do desigualdade, da miséria.

Código secreto

Helena olhou o telefone e descobriu que tudo o que mais queria no momento era ouvi-lo tocar: três toques, era a senha. Não precisava atender. Saberia que Eduardo estava à sua espera, do outro lado da rua.

Nada, porém - e ela inquietou-se ainda mais. Algo diferente havia acontecido, algo que não estava nos planos. Eduardo sempre fora pontual em seus compromissos, ainda mais aquele; não entendia por que se atrasara. No casamento da prima fora o  primeiro convidado, chegando à igreja antes mesmo que os noivos. Foi por causa de sua pontualidade no emprego que concederam a ele a importante tarefa de abrir e fechar a loja - assim não haveriam atrasos.

Muitas vezes Helena ralhara com essa mania, o que ela chamava de "esquisitisse"; a eficiência de Eduardo era quase submissão. Ele, no entanto, nanca mudara, tornando sua mania um hábito.

Agora haviam-se passado cinco minutos desde que o telefone permanecera mudo. Helena aproximou-se da janela da sala. Procurou, procurou, procurou. Nenhum sinal de Eduardo à vista, sequer vestígios de que estivera ali. Voltou a fazer companhia ao aparelho. Minutos depois estava roendo as unhas. Nunca tivera esse hábito antes. Sua mãe era quem roía as unhas frenéticamente quando tinha o pressentimento de algo, não ela.

Preferia não pensar no pior. Não, isso não. Talvez ele apenas estivesse preso num congestionamento dentro de um túnel, onde celulares não pegavam; ou talvez estivesse numa loja qualquer... comprando flores para ela!

Por mais otimistas que fossem, nenhuma dessas hipóteses pareciam prováveis. Deus!, o que havia acontecido?

Oculto atrás de um poste, Eduardo a observava. Não tinha coragem de se mostrar ou de enviar o código que haviam criado para driblar a vigilância do pai de Helena. Seu coração havia se apaixonado por outra.

Segunda-feira

Hoje é segunda-feira e não há nada que a torne diferente da segunda-feira anterior. Às nove horas já estou desperto, porém indisposto a levantar-me da cama. Passo mais algum tempo deitado, meio que indeciso quanto ao que fazer das horas livres que terei ao longo do dia. Talvez leia um livro ou escreva alguma coisa. Talvez assista a um programa na tevê. Gosto de desenhos animados, eles me fazem rir um pouco - ao contrário dos telejornais, sempre carregados de novidades trágicas. Hoje eu não quero saber a quantas andam a guerra no Oriente Médio. Pouco me interessa saber quem matou quem a quantas facadas, ou o que será dos japoneses, depois de terem sofrido enorme tragédia. Não me leve a mal, é que prefiro estar à parte de tudo isso. Também não suporto ver meus irmãos combatendo-se em guerras, enquanto aqui estou de camarote, assistindo a tudo pela tevê.

Sei que esta segunda-feira será como as demais outras. Daqui a pouco estarei de pé, olhando minha cara enrugada no espelho do banheiro. Enquanto escovo os dentes, estarei pensando em coisas que poderia ter feito e deixei de lado; estarei pensando em meus erros, querendo voltar ao passado e consertar coisas quebradas,. Quando criança, eu mesmo consertava meus brinquedos quebrados - não ficavam tão bons quanto antes, mas voltavam a funcionar. Queria poder fazer o mesmo com as coisas da vida.

Daqui a pouco estarei tomando meu café amargo, deglutindo o pão adormecido. E meus pensamentos continuarão vagando por caminhos ermos, até que finalmente a encontrarão. Este, ultimamente, tem sido o único lugar onde posso encontrá-la novamente, abraçá-la mais uma vez; dizer que a amo e que morreria por ela, morreria para que vivesse um pouco mais feliz. Reconheço que errei - errei muito -, e a única coisa que peço é a chance de me retratar. Mas é tarde, demasiado tarde para pedir perdão. Meus erros a magoaram e agora ela se fechou em seu casulo, seu mecanismo de auto-defesa contra as coisas da vida. Seu mundo não mais me pertence. Perdi seu coração.

Já não mais tenho certeza de nada, anão ser de que hoje é segunda-feira, um dia como qualquer outro. Estou deitado em minha cama, contemplando os buracos em meu teto. Daqui a pouco vou levantar. Daqui a pouco vou tomar meu café. Talvez assista a alguma coisa na tevê, se vontade me der. Caso contrário, estarei lendo ou escrevendo alguma coisa.