sexta-feira, 14 de setembro de 2012

No parque

Calor: no céu, no toque, na pele, no abraço. E quase não eram dez da manhã! Ela sentou-se, ofegante, ao meu lado. Não tínhamos andado muito (três ou quatro quarteirões, se não exagero), mas cedeu ao banquinho de praça como se houvéssemos transcorrido léguas. Água; precisava de um gole; sacou da bolsa uma garrafinha transparente; tomou três. Aliviada, sorriu-me. Retribuí com um par de lábios esticados,  meio insosso. Logo me rendi a um mutismo de pedra. Devo ter dado a impressão de que me perdia em profundas conjecturações, porque ela quis saber no que eu pensava. "Em nada", respondi. (por natureza, às vezes me surpreendo com o olhar perdido em algum ponto, daí as pessoas me julgarem num estado reflexivo, quando na realidade minha cacholeta está tão vazia quanto um pedaço de pau apodrecido.) Talvez ela quisesse ter ouvido outra resposta. Poderia ter lhe contado uma anedota ou uma piada boba, só pelo prazer de ouvir seu riso e amenizar sua decepção, mas sou pouco de palavras. Ante a iminência de um novo silêncio, ela novamente abriu a bolsa; revirou-a, resgatando de suas entranhas misteriosas um objeto pontiagudo. Levei algum tempo para reconhecer o presente que me havia prometido na noite anterior. Em retribuição, presenteei-lhe dois livros, dentre os quais meu primeiro, recomendando que o guardasse mesmo que não entendesse meus rabiscos, pois quando enfim a fama houvesse me alcançado, ele valeria uma fortuna num desses sites de leilões da internet. Enfurnei entre as páginas do outro uma carta que ela posteriormente leria. Pude nela revelar-lhe o que verbalmente me ficou impossível. Sabia que ela gostava de cartas longas, por isso tratei de preencher toda uma página. Não mais pedi que não fosse embora. Ela estava decidida, e sua ânsia por conhecer novas feições e paisagens era demasiado voraz. Estava decidida e não arredaria pé. Em vista disso apenas pedi que não olvidasse os velhos amigos. Por um lado eu sabia que minha preocupação era tola. Ela jamais olvidaria. Mesmo que percorresse todos os continentes, mesmo que o tempo esfalfasse os relógios de todas as praças, estaríamos sempre unidos por sentimentos mútuos: afeição e amizade.

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