domingo, 9 de setembro de 2012

A caçadora de vaga-lumes

Para Helenir, amiga, poetisa e filósofa.

Ela ainda não tinha me contado, mas fazia-se urgente que eu soubesse, como se, em tomando conhecimento daquela parte de sua vida, me incluísse entre os matizes que a pigmentaram.

Iniciou com um breve comentário a respeito de como as coisas iam se modificando e nem conta a gente se dava. Tomava como exemplo a rua onde havia crescido: tudo mudado, nada fazendo lembrar a ruazinha onde sequer poste de iluminação e calçamento haviam. Lembrava daquele lugar como o fim do mundo; entretanto, em nenhum outro fora mais feliz.

Era meninota e magrela, na época. A maior parte do tempo passava na rua, distraída com brincadeiras. Dentre tantas, apanhar vaga-lumes era sua dileta. Com um vidrinho de maionese, saía à cata dos insetos no meio do capim alto, até que, exausta, os capturava. Quando julgava que tinha o bastante, corria para dentro de casa e fazia de lanterna os pobres bichinhos aprisionados, cuja luz tíbiamente iluminava os cômodos escurecidos. Na maioria das vezes, entretanto, preferia entocar-se no armário da mãe. Aquelas funduras misteriosas e com um vago cheiro de naftalina sempre a instigaram.

Todas as noites o ritual se repetia. Minha amiga era uma caçadora implacável.

Senti necessidade de também compartilhar algo de minha infância. Participei-lhe o episódio mais obscuro já me ocorrido; na verdade, não o tenho guardado em minha memória - conheço apenas porque minha prima, Laiana, contou-me. Segundo ela, eu a detestava. Certa feita até corri no seu encalço, exasperado, pedaço de pau ou coisa de semelhante valia na mão, esbravejando: "Eu te mato, sua bruxa! Eu te mato!". Foi o que partilhei com minha amiga. Demos boas gargalhadas.

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