quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Um estranho no meu sofá

Acordei e ele dormia na minha sala, roncando feito um porco. Tomei um baita susto, mas não me permiti entrar em pânico; me armei com a primeira coisa que tive a meu alcance: um cabo de vassoura. Cutuquei-o de leve. O sujeito não acordou, sequer virou para o outro lado. Cutuquei-o novamente, e dessa vez ele saltou como um artista de circo num trampolim. Perguntei-lhe como viera para ali. ele ainda estava zonzo, respondeu-me coisas confusas; fedia como um gambá - não duvido nada que estivesse bêbado. Nem ele mesmo sabia como fora parar ali. estava tudo borrado na sua cabeça, que doía como se ele tivesse andado num carrossel maluco.

Apiedei-me daquele desmemoriado (tenho um fraco pelos desfavorecidos, meninos de rua e cachorrinhos atropelados, de modo que me basta encontrar algum pelo caminho e meu sentimento humanitário aflora). Embora receoso, ofereci-lhe uma xícara de café: seria bom para a ressaca. depois de tomá-la em três goles, ele me perguntou onde era o banheiro. Disse-lhe que ficava no final do corredor, à esquerda, segunda porta - a primeira era do quartinho de limpeza. Se quisesse, também podia tomar uma ducha. Entreguei-lhe uma toalha, barbeadores novos e sabonete... Ia precisar de muito sabão para se livrar daquele bodum.

Meia hora depois volta ele, um novo homem. Quase não o reconheci, e me armei do cabo de vassoura novamente, achando que todos os malandros do bairro haviam combinado de invadir minha casa.

Sentamo-nos à mesa para o desjejum. Com a cabeça um pouco melhor, o estranho já era capaz de recordar fragmentos da noite anterior.havia tomado um porre - isso era óbvio -  e, se eu não o tivesse ajudado, trazendo-o à minha casa, teria ficado estendido no chão a noite toda, exposto aos atos de vandalismo de moleques de rua, que poderiam ter lhe roubado a carteira ou sabe Deus o que mais.

Não lembro de ter sido um bom samaritano. Para falar a verdade, não lembro nem mesmo ter saído de casa (não sou um homem da noite, preferindo a tranquilidade do meu lar a uma farra). Por um momento, desconfiei da veracidade daquela história, mas logo deixei minha cisma de lado; o sujeito tinha cara boa, parecia ser gente de bem.

Após o café, jogamos baralho. pedi que ficasse até o almoço, mas ele disse que tinha que ir embora, ou a mulher cortaria o seu pinto fora e daria aos cachorros. Não insisti. Despedimo-nos com um caloroso abraço, como se há séculos fôssemos camaradas. Só me dei conta da ausência de alguns objetos na minha sala quando fechei a porta e me voltei para dentro. Quis ainda correr atrás do larápio cretino, mas era tarde: ele havia embarcado num ônibus e dado no pé.

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