segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Salva pelo não dito



Quando a conheci, ela estava chorando. Meu primeiro impulso fora lhe dizer alguma coisa bonita que lhe servisse de consolo. Mas nada me vinha à cabeça. Então fiquei calado, sentei-me a seu lado e envolvi seus ombros. Apertei-a o máximo que pude, até que ela parou de chorar; enxugou as lágrimas e me olhou direto nos olhos, seus olhos úmidos que eram como espelhos a refletir minha própria imagem. Tentei decifrá-los, em vão. Tudo o que consegui fora ficar ainda mais confuso.

De repente, sua voz quebrou o silêncio. Contraditoriamente, soava firme, como vinda de quem estava certo quanto ao que dizia.

Agradeceu-me por estar ali. Caso houvesse chegado segundos depois, talvez não a encontrasse mais. Estava disposta a cometer uma besteira... e por um motivo tão bobo. Agora ela sabia, porque eu estava ali. Um completo estranho havia lhe dito tudo sem dizer nada.

Levei-a para casa. Ela morava a dois quarteirões, criava gatos e passarinhos. Ri da combinação perigosa. Ela então esclareceu: não juntos.

No meio da sala, tropeçamos em alguns objetos espalhados. Ela disse que gostava de tudo assim, bagunçado, porque ficava mais fácil quando queria encontrar alguma coisa. Era avessa à arrumação, por isso não ia com tanta frequência à bibliotecas; quando tinha que fazer compras, mandava um menino em seu lugar e, em troca do favor, dava-lhe uns agrados.

Estranhei sua mania, mas não disse nada. Eu mesmo, às vezes, detesto coisas organizadas, principalmente quando estão em sequência alfabética. Mas também não sou fã de bagunça, principalmente quando se trata do meu armário. (Tenho uma mania esquisita: gosto de guardar as camisetas em ordem de tonalidades, do mais claro para o mais escuro, da esquerda para a direita. Meu pai também tinha esse hábito, portanto, acho que estou, inconscientemente, mantendo uma tradição.)

Sentei-me no sofá. Ela disse que iria preparar uma café, não demorava )"Açúcar ou adoçante?", "Açúcar, por favor."). Enquanto isso, deixou-me ouvindo algumas músicas do Tim Maia.

Estava distraído quando um objeto felpudo roçou de leve minhas pernas. Instintivamente, quase o chutei para longe - e justo no momento em que ela voltava com o café.

- Ah, vejo que também já conheceu o Bonifácio!

Tomei o gato peludo e excessivamente bonachão nos braços. Pesava tanto quanto um bebê recém-nascido.

- Acho que foi ele quem me conheceu primeiro - disse eu, acarinhando Bonifácio em meu colo. Pouco depois de nos conhecermos, o gato já se achava dono de mim, estirado sobre minhas pernas e ronronando à maneira dos felinos.

Beberiquei o meu café sem nenhuma pressa, enquanto conversava bobagens com a moça estranha que, aliás, chamava-se Cristina. Em nenhum momento me revelou o motivo que a levara a tentar suicídio, nem eu estava mais interessado nisso. Contentava-me agora em vê-la bem. Não chorava mais, e até havia se posto filosófica, dizendo coisas bonitas da vida

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