quinta-feira, 8 de setembro de 2011

De volta à vida



Tudo começou a partir de uma coceirinha gostosa entre os dedos do meu pé esquerdo. Achando que fosse coisa que passaria logo, não dei tanta importância ao caso. Toquei a vida como quem tocasse carro de bois.

Devo admitir que , depois de alguns dias, estava começando agostar daquela coceirinha, afinal tinha algo a que dirigir meus pensamentos. Todas as noites, ao término de uma exaustiva jornada de trabalho, atirava-me no sofá e arrancava os sapatos para aliviar a comichão que fazia festa entre meus dedos.

Numa dessas ocasiões, porém, me vi surpreendido. A pequena vermelhidão entre meus dedos havia tomado proporções assustadoras, invadindo territórios vizinhos. Como se não bastasse, também deu a latejar. Semanas depois, sequer estava conseguindo calçar um sapato.

Fui ao médico. Ele disse, com aquele ar de sabichão que só os médicos sabem fazer, que o caso era grave, muito grave.

- Vou ter que me submeter a uma cirurgia? - perguntei, já prevendo o pior.

- Não - ele respondeu assim mesmo, fria e secamente.

-Meus dedos serão amputados?

- Também não.

- Que raio vai me acontecer, afinal?

Ele me receitou uma pomada, uma reles pomada de farmácia, adquirida pela quantia exata de R$ 1,20. Fiquei fulo da vida. O que aquele doutorzinho de quinta estava pensando? Eu não estava sendo paranoico, juro por Deus!

Fui a uma mãe de santo e ela me receitou umas mandingas infalíveis. Ora, ao menos alguém me levava à sério!

As mandingas não funcionaram, e acho até que exerceu um efeito inverso, pois logo em seguida me atacou uma febre inexplicável e umas dores nas tripas. Talvez o santo não tenha ido com a minha cara, o que é naturalmente justo, pois não é de agora que ando fazendo o sinal-da-cruz toda vez que encontro um despacho no meio do caminho.

Fui à igreja. Disseram que eu estava com o demônio e que Deus iria expulsá-lo de mim. Não sei se expulsou, ou se o demônio realmente esteve em mim; o fato é que as orações de nada adiantaram.

Voltei ao hospital, na esperança de que daquela vez ficaria dias internado. Mas que nada! O mesmo médico me receitou uns xaropes e me mandou de volta pra casa.

Dias se passaram, e nada de melhoras. Já não mais acreditava em remédios ou milagres. Havia feito um trato com a morte: que ela me levasse de uma vez, e eu não me importava com o lugar para onde iria.

Porém Deus, que é sempre misericordioso, dirigiu seu olhar a esta pobre e ignóbel criatura e enviou um de seus anjos a meu leito de morte.

- Miguel? perguntei, e a mais bela de todas as vozes respondeu: "Sim!" Senti o ar estremecer.

Tudo ficou muito claro, como se o próprio Astro-Rei houvesse invadido meus aposentos. Uma súbita alegria apoderou-se de meu peito, então sorri. Estava de volta à vida.




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