Quando pequeno, eu era uma criatura muito magrinha, as roupas em mim
sempre caindo como um saco de batatas. Quem me via na rua sentia pena,
imaginando as inúmeras privações a que me submetia. Por isso, não raro
eu ganhava das pessoas presentes, tais como: sapatos usados, meias que ninguém
mais queria, roupas rasgadas mas que podiam ser reparadas com um ponto
de costura aqui, outro acolá. Vovó era especialista em reparar as
coisas velhas que eu levava para csa. Mamãe, no entanto, não gostava
da ideia que faziam de seu menino: eu não era nenhum perdido, tinha
casa onde morar, cama onde dormir e mãe que me amava. Ninguém nunca
duvidou disso, afinal, todos me conheciam no bairro, mas mamãe era sempre
do contra.
Apesar de magrinho, eu tinha uma cabeçorra enorme. As pessoas sempre
se admiravm do modo como eu conseguia equilibrá-la sobre meu pecoço
fininho. Alguns até aguardavam o momento em que eu não a suportaria mais
e deixariaela tombar de lado. Faziam apostas.
Na rua, a primeira coisa que se vistava era meu cabeção despontando no horizonte como uma lua cheia. Então todo
mundo ria. Devo admitir que, na época, aquilo me deixava ofendido. Hoje,
no entanto, reconheço que não havia como minha aproximação provocar
outra reação nas pessoas.
Além das roupas e dos sapatos que nunca me cabiam, também não havia
chapéu que cobrisse minha cabeça. Aí eu realmente ficava pê da vida,
porque gostava mesmo de chapéus. Queria me parecer com o Airton, mas meu cabeção não permitia.
Certo dia perguntei para mamãe por que tinha nascido daquele jeito. Não
compreendia a razão de as demais crianças serem normais, enquanto que eu
tinha aquela bola de basquete em cima do pescoço. Ela nunca me
respondia, não do modo como eu queria. Em invés disso, dizia que "se as
coisas estavam tortas, então era assim mesmo que Deus queria que
ficassem". Foi a partir desse momento que surgiu minha primeira
convicção: "Deus era um cara muito mau".
Nenhum comentário:
Postar um comentário