sábado, 9 de julho de 2011

Como passe de mágica

Fico pensando comigo, pensando, pensando... Como seria maravilhoso se tudo o que desejássemos, pudéssemos ter em mãos - como num passe de mágica. Todas as coisas tristes desapareceriam do mundo. Não haveriam mais guerras, nem mortes ou assaltos. As pessoas seriam mais gentis consigo mesmas e com a natureza, aprenderiam a preservar as coisas boas da vida. Deus ficaria feliz  com todo mundo e faria chover purpurina.
Queria eu poder, com um simples estalar de dedos, tornar todas as coisas possíveis. Faria mamãe parar de pegar tanto no meu pé: menino, não faz isso! menino, não faz aquilo! Olha a chuva, manino! Vai pegar um resfriado! Também faria algumas coisas desaparecerem - como o dever de casa, por exemplo. Agora ele está ali, sobre a mesa, olhado para mim com cara feia. Fique sabendo que não tenho medo de cara feia não, viu? Mostro minha língua para ele. Sei que mamãe reprovaria essa atitude. Ela diz que isso é coisa de menino sem educação; menino direito não faz coisas como mostrar a língua, erguer o dedo do meio ou dizer palavrões. Bem, mas ela não está aqui para saber o que fiz.
Mal acabo de pensar nela e já ouço sua voz, vinda de algum distante lugar. Está dando uns carões em minha irmã. Mamãe vive fazendo isso, dando carões nas pessoas (mesmo nos adultos), é quase um hábito seu. Ela nunca vai se conformar com o namoro da filha. Mas não pode fazer nada além de gritar, como está fazendo agora. Sua voz é esganiçada. Tenho pena de minha irmã. Mas, por um lado, admiro-a. Não é qualquer um que teria fibra para aguentar tanto desaforo calado, isso é demais até para um filho. Eu já teria me alterado e feito alguma besteira.
Ouço passos se aproximando. Sei que é mamãe, pois ela tem uma cadência única em seu caminhar, batendo firmemente os calcanhares no chão, acho que para melhor intimidar.
Intimidar... Essa é a sua técnica para tudo. Às vezes, confundo-a com um general. Em casa, sinto-me numa base militar. Suas ordens devem ser obedecidas à risca, do contrário...
Sinto sua presença cada vez mais forte. Ela é como uma sol, irradiando calor a quilômetros de distância. Sua mão toca a maçaneta, gira-a vagarosamente. A porta range nas dobradiças.
Mais que depressa, corro para os meus livros e cadernos, finjo que estou empenhado no dever de casa. Ela olha, dá um sorrisinho sem mostrar os dentes, como se dissesse " muito bem, continue na linha", e vai embora. Volto para a janela e continuo observando a cinzenta paisagem urbana, pensando, pensando...

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