sábado, 9 de julho de 2011

Um cara bacana

Na minha memória a imagem de meu avô materno sempre se conservou como um fantasma, uma sombra a bem dizer indistinguível num passado nebuloso. Nunca o cheguei a conhecer pessoalmente. Por uma tragédia do destino, vovô partiu-se desta vida antes que eu viesse a descobri-la. Todas as informações que tenho dele, portanto, são apenas relatos - e dos mais sombrios.

Por mamãe eu soube que ele era um bêbado. Poucas eram as vezes em que estava sóbrio para fazer um carinho na filha. No entanto, era de minha mãe que ele mais gostava. Quando estava doente e precisava de ajuda com os remédios, era a ela que ele procurava. Com sua maneira ríspida de tratar as pessoas, mandava que ela fosse à farmácia ou ao mercadinho de seu Carlito - e que segurasse bem firme o dinheiro, do contrário levaria uma surra que nunca mais esqueceria. Mamãe então apertava tão firme as moedinhas que vovô lhe confiava, que depois não conseguia mais libertar os dedos. (Certa feita, ao atravessar a rua, um carro surgido não se sabe de onde atropelou mamãe, jogando para longe seu corpinho magricela. Vovô, que acompanhava tudo da varanda de casa, prontamente acudiu a filha, mas para constar se ainda guardava o dinheiro que lhe confiara. Milagrosamente, mamãe apertava as moedinhas na palma da mão direita.)

Da parte de minha avó eu soube que ele era um brigão. Às vezes, quando estava bêbado, batia nela.
Uma das coisas que mais detestava era "o povo da igreja". Esse ele queria ver de longe, assim como o diabo quer ver distância da cruz. Vovó até que tinha esperanças de converter ele, mas o coitado morreu antes que pudesse ajeitar a vida. Mamãe acredita que agora ele esteja no Inferno, jogando baralho com o Satanás.
Como eu disse anteriormente, não cheguei a conhecer vovô pessoalmente. Mas, se o tivesse conhecido, não o julgaria assim, tão precipitadamente. Talvez houvesse existido alguma coisa boa dentro dele, é que ninguém se importou em procurar. Talvez mesmo ele fosse um cara bacana.

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