sexta-feira, 29 de julho de 2011

Família feliz

 

Quando a tv lá de casa quebrou, foi um Deus nos acuda para minha irmã. O que ela faria da vida sem suas novelas? Meu padrasto também ficou em situação desesperadora: uma semana sem assistir aos filmes policiais de que tanto gostava parecia o fim do mundo. Mamãe não externou sua indignação, mas eu sabia que, no fundo, no fundo, a tv também lhe fazia enorme falta.

Devo admitir que nossa velha companheira não me fez nenhuma falta (não tenho hábito de assistir televisão, prefiro me distrair com meus livros e meus escritos - a programação água com açúcar da TV brasileira também não contribuindo muito para ganhar minha simpatia). Portanto, fui o único a não ficas largado pelos cantos da casa, abandonado ao tédio. Minha irmã, ao contrário, trancou-se por dias no quarto. Meu padrasto procurava chegar mais tarde do trabalho e mamãe tornou-se mais religiosa, passando a maior parte do seu tempo na igreja. Os raros momentos em que nos reuníamos resumia-se aos horários destinados às refeições, e mesmo assim não nos comunicávamos - sequer olhávamos para cara um do outro. O maior diálogo que mantínhamos era: "Me passa a manteiga?", ou então " Onde você guardou o pote de biscoitos?"

Um dia sugeri que escolhessem um dos meus livros para lerem nos momentos de ócio. Mamãe fez cara feia, a única coisa que lia era o Livro Sagrado - mais nada. Meu padrasto alegou que estaria tão consumido pelo trabalho, que não teria disposição para nada, só mesmo para descansar. Minha irmã foi a única que tocou no meu livro, porém nunca soube se de fato o lera.

Quando dias depois a tv finalmente voltara do conserto, foi uma alegria - eu diria até que nossa vida voltou à normalidade. Minha mãe agora sorria, como antes; minha irmã não reclamava mais tanto da vida, do quanto era tediosa; e meu padrasto retomou sua rotina normal de trabalho, voltando para casa nos horários habituais. Em outras palavras, éramos novamente uma família feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário