sábado, 9 de julho de 2011

O último encontro

A noite estava majestosa quando Eliete desceu as escadas apressada, pulando dois degraus de uma só vez. Seu coração palpitava de felicidade mais do que de exaustão; na verdade, mal notava o esforço que fazia para alcançar o andar inferior antes que a campanhia cessasse de tocar. Abriu a porta e quase em seguida saltou no pescoço de seu amado. Ele recendia a sabonete masculino. Ainda não notara o arranjo de flores que ele lhe trazia às costas. Gustavo tinha muito dessas delicadezas. A cada novo encontro ele a surpreendia com algum agrado: uma caixa de bombons, uma única rosa vermelha que exalava por semanas um perfume memorável ou uma revista de modas que ela ainda não havia encontrado. Se perguntasse: "Como conseguiu?", ele fazia um ar de misttério e desconversava. Se insistia, abraçava-lhe e beijava como se aquilo bastasse para aplacar sua curiosidade. Quase sempre o último recurso funcionava.
Daquela vez Gustavo lhe trazia um buquê de tulipas. Porém o que mais surpreendia era o modo como estava vestido: impecavelmente. Eliete não fez perguntas, apenas tomou-lhe o braço quando este lhe foi oferecido e ambos saíram para o passeio habitual.
As ruas turbulentas não impediram que aquele fosse um momento mágico. As luzes, as buzinas, o dióxido de carbono e os xingammentos - nada existia, apenas Gustavo e seu perfume de sabonete masculino.
Foram para um dos poucos recantos sossegados que a civilização poupara de seus apartamentos e outdoors. A estrada por onde seguiam ainda era de terra batida, porém a prefeitura já tinha seus planos sobre ela e logo ela estaria movimentada por um intenso trânsito.
No alto de uma colina estacaram. Ao redor outros casais de namorados riam baixinho. Sentaram sobre a grama úmida. Adiante a lua pairava, majestosa, num mar salpicado de pontinhos brilhantes. Ali estava a estrela que escolheram para si, maior e mais brilhante. Tinham plena consciência de que centenas de outros casais já haviam adotado a mesma estrela, mas aquilo pouco importava. O mundo era de todos e ninguém ficava ofendido em compartilhar do mesmo oxigênio no interior de um ônibus lotado ou de um elevador.
Naquela noite Gustavo estava mais retraído que de costume, apenas admirando a tudo numa contemplção muda, quase doentia, o cigarro na ponta dos dedos já quase de todo consumido. Atirou-o na grama quando sentiu o pequeno ponto de brasa aitngir seus dedos. Então acendeu outro, deu uma tragada e deixou que o restante se consumisse por si só.
Eliete sorriu e pediu um cigarro.
- Desde quando a senhorita fuma?
- Desde agora.
- Seus pais sabem disso?
- Tô pouco me lixando pra eles.
Deu uma primeira tragada e quase não conseguiu conter o acesso de tosse. Gustavo explodiu em gargalhadas, mas logo procurou socorrer a namorada. Tomando o cigarro de sua mão, deu uma tragada como para mostrar o jeito certo de fazer.
- Ora, não sou mais criança!, protestou Eliete.
Gustavo ofereceu-lhe novamente o cigarro. Ela recusou.
Momentos depois o silêncio reinava outra vez. Eliete pôde notar uma pequena ruga entre as sobrancelhas de Gustavo. Arriscou-se perguntar o que acontecia.
- Nada, ele respondeu.
- Ninguém fica com essa cara à toa.
-Aí é que está. De pouco em pouco as pessoas vão abandondo suas identidades e adotando um padrão comum de comportamento. Existe o jeito certo de estar preocupado, de estar triste ou de estar alegre. Eu não sou assim. Tenho um jeito só meu para cada coisa, e garanto que neste exato momentto não estou triste, nem preocupado ou com fome. Simplesmente estou sendo eu.
Eliete achou por bem não chateá-lo com mais perguntas. Fingiu acreditar no que ele dissera. A verdade era que alguma coisa estava acontecendo sim, porém ele não iria abrir-se nem ela iria forçá-lo.
Ficou sabendo no dia seguinte que há semanas ele estava de malas prontas para uma viagem de intercânbio ao exterior, só aguardando a data marcada. Sentira-se exasperada por ele ter-se mantido sigiloso todo o tempo. Por acaso não a amava? Era evidente que não, do contrário sequer teria viajado, mesmo que para cuidar do próprio futturo.
Enfurecida, tratou de jogar fora todos os presentes que em dois anos fora recebendo diariamente.Não queria nada em seu quarto que fizesse lembrar Gustavo. Porém nunca esquecera o perfume nauseante que dele recendia na noite do último encontro. Tinha ímpettos de incendiar todo o supermerrcado quando saía para fazer compras com a mãe e lá encontrava uma prateleira repleta com o mesmo sabonete.

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