sábado, 9 de julho de 2011

Livros e solidão



Era uma tarde de quarta-feira e, como de costume, eu me entregava aos prezeres de uma boa leitura, desfrutando da calorosa companhia de meu querido Fran Martins. Inesperadamente, entrou na biblioteca uma senhora de meia-idade e ficou rondando as prateleiras. Não liguei atenção à sua pessoa, de modo que não posso precisar ao certo se a mulher usava calça jeans ou se seu cabelo estava desgrenhado - essas fuilidades que geralmente nos prende a atenção quando não temos nada mais importante para fazer do que ficar reparando nos outros. Eu tinha muito o que fazer, portanto o que acontecia ao meu redor pouco importava; acredito até que, se caísse um aeroplano sobre aquela biblioteca, eu morreria agarrado ao livro do Fran Martins e iria para o céu tranquilo, se Deus me permitisse levá-lo comigo. Caso me negasse, eu daria meia-volta e aceitaria o inferno de bom grado, desde que me reservassem um cantinho para ler o autor querido. ( Sim, já me disseram que minha paixão pelo Fran é doentia. Bom, eu não ligo. Esse é um câncer que gostaria de levar comigo ao túmulo.)
A mulher ainda rondou as prateleiras por um longo período de tempo. Via-se que tinha gostos literários refinados, pois vasculhava as lombadas da ala reservada aos clássicos. Retirando um grosso volume, finalmente foi-se sentar na cadeira diante de mim, porém não o lera. A mulher ficou me encarando por um bom tempo, até que me fez uma pergunda indiscreta. Queria saber se eu era casado. "Não", respondi. Não era casado. Voltei à minha leitura, achando que enfim havia aplacado a curiosidade da mulher. Porém estava enganado. Logo em seguida ela me flechou com outra pergunta, direta, sem rodeios. Queria saber se eu tinha namorada. Não, também não tinha namorada.
"Que pena!", disse ela então. "Um rapaz tão moço..."
Eu não lhe tinha revelado minha idade, porém não era preciso possuir uma bola de cristal para se chegar a uma conclusão tão óbvia. Estava tudo na minha cara... ou nos meus olhos, para ser poético, embora eu nunca tenha sido capaz de revelar a idade de alguém apenas olhando-o nos olhos.
"Mas era de se desconfiar", continuou a mulher, não dando vez para que o assunto morresse. "Gente que vive metida com a cara nos livros é sempre solitária."
Meu dia, que até então estava indo bem, de repente ficou nublado. Quem aquela fulana estava pensando que era para falar comigo daquela maneira? Não tive cabeça para mais nada. Retirei-me da sala, carregando debaixo do braço o Fancisco.
Em casa, não tive apetite para o jantar. Tranquei-me no quarto e fiquei pensando no que a estranha me dissera ainda mais cedo: "Gente que vive metida com a cara nos livros é sempre solitária..." Que absurdo! A mulher não fazia ideia do que estava falando. Provavelmente estava bêbada ou era mais uma daquelas ignorantonas que se achavam donas de todo o conhecimento e de toda a verdade.
"Que absurdo!...", pensei comigo, e fui ao armário onde havia guardado o livro de Fran Martins, "Mar Oceano". Lancei-me na cama e retomei a leitura de onde a havia interrompido. No quarto silencioso, reinavam a paz, a noite e a solidão.

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