quinta-feira, 14 de julho de 2011

Líquido mágico

Na minha vida, só recentemente o livro veio assumir posição de destaque. Quando eu era moleque, estava ocupado demais, jogando bola, tomando banho de riacho, catando caranguejo - não me sobrava um minuto sequer para o livro.
Na escola, me tentaram meter o livro de qualquer jeito - apresentaram-me livros coloridos, abarrotados de figurinhas coloridas e só aqui ou acolá uma frase solta ("O sol é amarelo") - , mas eu não me emendava. Mal chegava em casa, jogava o livro para debaixo da cama e corria para a rua.
Só aos doze anos cheguei a me interessar pela leitura. Bem antes disso, porém, a ânsia pelo saber já havia aflorado em meu espírito. Dei a fazer perguntas sem parar, torrando a paciência de meus pais que, sem outra alternativa, findavam me dando uns petelecos. Queria saber por que o sol era quente, por que a nossa cachorra não podia falar como gente, por que o vento soprava, por que anoitecia, por que a água do mar era salgada, se a chuva que caía era doce. Por quê? Por quê? Por quê? Inúmeras perguntas. Para algumas delas, encontrei respostas em livros; outras, permanecem comigo como um desafio ao tempo e uma prova de que, por mais que cresçamos, jamais seremos capazes de aprender tudo.
O meu maior sonho, então, era ser cientista. Desde quando ouvira falar de Albert Einstein, me apaixonara pela Ciência. Aquele homem esquisito de cabelo desgrenhado e língua de fora exercia enorme influência sobre mim. Queria ser como ele, inteligente, engraçado.
O livro que mudaria para sempre minha vida chamava-se "O Rapto do Líquido Mágico". Contava a história de um menino inventor que criara um líquido mágico capaz de colorir todas as coisas. Fiquei encantadíssimo ao terminar aquela leitura (o primeiro livro que havia lido até a  última página). Dei também a inventar coisas. geralmente mistura de água, terra e sabão que eu chamava de "líquido mágico" Saí por aí borrifando meu líquido mágico pelos cantos. Acreditava que ele tinha o poder de deixar tudo mais colorido.
Naquela época, minha irmã vivia cheia de vermes, de modo que sua pele tinha uma constante aparência amarelada e seus olhos eram como os de peixe morto. Apiedei-me dela. Ela precisva de um pouco mais de cor. E lá fui eu realizar meu intento humanitário. Esborrifei meu líquido mágico na cara dela. Aos berros, ela foi contar tudo para mamãe. Levei a maior surra de toda a minha vida.
Houve, entre os meus quatorze e dezoito anos, um curto período em que me afastei da leitura - mas não sem motivo justificável: agora, não mais o futebol nem os banhos de riacho, mas as namoradinhas que ocupavam, a bem dizer, todo o meu tempo disponível, toda a minha vida. Não tinha cabeça para mais nada, nem mesmo para os estudos, de modo que acabei repetindo alguns anos.
Época de inconstância emocional, me apaixonei e me decepcionei por inúmeras garotas. Na verdade, qualquer uma que aparecesse diante de mim despertava minhas fantasias apixonadas. Não precisava me dar bola, bastava passar na minha rua e eu ficava imaginando que éramos amantes, que um dia estaríamos passeando de mãos dadas por aquelas calçadas.
O amor pelos livros só voltou quando vim morar em Fortaleza e arranjei um emprego (meu primeiro emprego) como agente de leitura numa biblioteca comunitária. Passei a viver cercado de livros dos mais variados tipos e autores. Entre eles, reencontrei o livro de minha infância. Não tenho vergonha de admitir que chorei ao reencontrá-lo uma segunda vez, depos de tanto tempo.
Cresci e a paixão pela leitura nunca mais me abandonou. Hoje, procuro seguir os passos daqueles que me serviram de inspiração. E, com meus passos cambaleantes - ora tropeçando aqui, ora acolá -, vou seguindo por caminho tortuoso, certo de que as coisas, um dia, acharão o seu lugar.

3 comentários:

  1. Bela escrita, moço! Parabéns pelo blog! Seguindo!

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  2. Muito bom o texto, parabéns! Você vislumbrou nele um estado de espírito que muitos de nós, quando meninos, tivemos também, inclusive eu. Continue escrevendo. Obrigado pela visita ao meu blog. Estou a segui-lo. Abraços. Vôgaluz

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  3. Puxa! Obrigado!
    E olha que eu nem botava muita fé em mim mesmo.

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